Experimentos em máquina de compressão rápida

Máquina de compressão rápida (Rapid Compression Machine – RCM)

A máquina de compressão rápida é uma bancada de testes para experimentos de ignição térmica para misturas reagentes com valores de atraso de ignição superiores a 1000 μs, ou seja, para hidrocarbonetos com altos números de octanas, ou baixos números de cetanos (como no caso dos combustíveis diesel), ou todas aquelas condições experimentais que demandem medições de atraso de ignição longas. Valores grandes de atraso de ignição são encontrados nos testes feitos a baixas temperaturas e baixas pressões. É comum encontrar dois tipos principais de máquinas de compressão rápida:

  • RCM de pistão simples
  • RCM de duplo pistão

Em termos de operação os dois tipos de máquinas são similares, pois as duas configurações conseguem comprimir uma porção de mistura em um tempo relativamente curto (porém, muito maior quando comparado com o tempo de aquecimento e aumento de pressão em tubos de choque), no entanto existe uma diferencia em termos de troca térmica da mistura no processo de compressão em cada configuração de RCM.

A figura 1 mostra uma configuração de máquina de compressão rápida de duplo pistão, incluindo os dispositivos periféricos necessários para as medições de atraso de ignição.

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Figura 1. Máquina de compressão rápida – RCM (Configuração de máquina de compressão rápida similar à configuração da RCM da Universidade Nacional de Irlanda, Galway, Irlanda

Operação de uma máquina de compressão rápida

Em um experimento de ignição térmica em RCM, a câmara de teste é preenchida com a mistura a ser analisada, em uma quantidade (pressão e temperatura) de forma tal que sejam atingidas as condições de temperatura e pressão de interesse (depois do processo de compressão) via estimativa de compressão isentrópica utilizando a razão de compressão da RCM. De esta forma, o estado do processo de compressão (temperatura e pressão) pode ser estimado utilizando um programa computacional do tipo CHEMKIN ou GASEQ. Fisicamente, é um processo de compressão mecânico gerado pelo deslocamento dos pistões e como mencionado anteriormente, o tempo de compressão na maioria das RCM é entorno de 20 ms.

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Figura 2. Sinal de pressão típico num experimento de ignição térmica na operação de uma máquina de compressão rápida

Os pistões começam o processo de compressão via deslocamento, e no final do curso de compressão (End of compression process na figura 2), um sistema mecânico prende os pistões para evitar o retorno. A partir deste momento, a mistura a ser analisada fica no estado comprimido, na temperatura e pressão de interesse para análise.

Posteriormente, a cinética química da mistura começa a atuar até que, se dadas as condições favoráveis de troca de calor e concentração de espécies químicas radicais na mistura, acontece a autoignição da mistura, como mostrado na figura 2. Depois da autoignição, a pressão do sistema se eleva, como conseqüência do processo cinético, chegando até um ponto máximo de pressão e temperatura, aliviados posteriormente pela troca térmica dos gases queimados com as paredes da câmara de combustão da RCM.

Medição de atraso de ignição em máquina de compressão rápida

Num experimento de ignição térmica em máquina de compressão rápida, o atraso de ignição é usualmente definido como o intervalo de tempo entre o final do processo de compressão, e o inicio do segundo incremento de pressão, na curva de pressão do experimento. No entanto, também podem ser utilizados outros métodos para indicar o inicio da autoignição, como por exemplo, quimiluminescência. A figura 3 mostra a definição de atraso de ignição tomando como ignição o segundo incremento de pressão.

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Figura 3. Definição de atraso de ignição em um experimento de máquina de compressão rápida

Especificamente, a figura 3 mostra o sinal de pressão de um experimento de ignição térmica utilizando uma mistura pobre de etanol em ar ( Φ = 0,3), a temperatura e a pressão depois do processo de compressão foram 876 K e 26 bar respectivamente, e o experimento foi realizado em condições de diluição 50% argônio, 50% nitrogênio. É comum realizar experimentos em RCM em altas condições de diluição. Isto é feito no intuito de atingir valores mais altos de temperatura e pressão depois da compressão, pois a adição de argônio altera a capacidade térmica da mistura de análise, neste caso, etanol/ar.

Usar somente nitrogênio como agente diluente, permite atingir valores baixos de temperatura e pressão depois da compressão. Usar argônio puro como agente diluente permite atingir valores altos de temperatura e pressão depois da compressão, devido à sua baixa capacidade térmica.

Experimentos sucessivos, variando a temperatura da camada de combustão da RCM e a pressão inicial do sistema irão gerar valores de pressão e temperatura no final da compressão (condições de teste de interesse, similares às condições de temperatura e pressão em motores de combustão interna, por exemplo) os quais retornam valores de atraso de ignição em cada condição experimental de temperatura, pressão e estequiometria. Estes dados são organizados em forma de diagrama, e podem ser utilizados para posteriores validações de resultados numéricos usando mecanismos cinéticos detalhados, como mostrado na figura 4.

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Figura 4. Dados experimentais de atraso de ignição em RCM de uma mistura quinaria, em condições de mistura pobre e pressões de 15, 22 e 30 bar.

Neste tipo de figuras, usualmente no eixo y é dado o valor do atraso de ignição numa escala logarítmica e em microsegundos, no eixo x é dado o valor da temperatura em escala adimensional (1000 K / T) indicando que perto da origem estão os valores mais altos de temperatura e longe da origem os valores mais baixos. Usualmente são cobertos valores de temperatura entre 900 K < T < 550 K.

A figura 4 mostra os resultados experimentais de atraso de ignição em RCM de uma mistura qunaria (i-octano / tolueno / n-heptano / di-iso-butileno / etanol na proporção 30% / 25% / 22% / 13% / 10% em volume, respectivamente) em condições pobres (Φ = 0,3) e diluição de argônio/nitrogênio de 74% / 26% respectivamente. Estes experimentos foram feitos na máquina de compressão rápida da Universidade Nacional de Irlanda, Galway.

Troca de calor da mistura reagente com as paredes antes da ignição térmica

Na operação da máquina de compressão rápida, existem vários processos de troca térmica entre as paredes do sistema (câmara de combustão) e a mistura reagente antes da ignição térmica da mistura. Isto é evidente em função dos tempos relativamente longos de compressão e de análise para o atraso de ignição. No estado inicial, a temperatura da câmara de combustão está em equilíbrio com a temperatura da mistura reagente, porém, uma vez iniciada a movimentação dos pistões (processo de compressão) começa a se incrementar a temperatura e a pressão da mistura reagente até os valores de temperatura e pressão de compressão. Por obvias razões, a temperatura das paredes não acompanha este processo de aquecimento da mistura reagente na mesma escala.

Desta forma, pode-se concluir que durante o período de compressão (~20 ms) existe uma troca térmica dos gases para as paredes “frias”. No entanto, não é essa a principal troca térmica que pode levar a resultados errôneos. A figura 5 mostra um sinal de pressão de um experimento em RCM usando uma mistura não reativa (simplesmente nitrogênio molecular sendo comprimido). Pode-se observar que depois do final do processo de compressão, o sinal de pressão começa a cair, indicando uma queda de pressão que pode ser interpretada via duas possibilidades: (a) vazamento de mistura reagente pelas fendas ou qualquer outro tipo de “gap” do sistema de vedação ou (b) resfriamento da mistura por troca de calor da mistura reagente para as paredes da câmara.

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Figura 5. Sinal de pressão típico num experimento em máquina de compressão rápida usando uma mistura não reativa

Desprezando qualquer tipo de vazamento ou falha do sistema de vedação, pode se concluir que existe uma troca térmica muito intensa entre a mistura reagente (no estado comprimido) e as paredes da câmara de combustão da RCM. Na figura 6 pode ser observado que a pressão vai de um valor de ~32 bar no final da compressão, para um valor de ~22 bar depois de 400 ms, isto significa uma queda de ~30% na pressão em relação ao valor inicial logo depois do final do processo de compressão.

A figura 6 mostra o sinal de pressão de um experimento usando mistura reagente. Na mesma figura é mostrado como seria o comportamento se não fosse reagente (caso do sinal de pressão da figura 5).

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Figura 6. Sinal de pressão típico num experimento em máquina de compressão rápida usando uma mistura reativa, mostrando o possivel efeito da troca térmica gas/paredes.

Pode-se observar que durante uma boa parte do tempo do atraso de ignição, existem dois efeitos que podem influenciar diretamente no resultado da medição do atraso de ignição: (a) a troca térmica dos gases para as paredes da câmara, e (b) a cinética química atuando a nível molecular, desenvolvendo o próprio processo de degradação térmica do hidrocarboneto que irá conduzir o sistema reagente à ignição térmica. Note-se que, os dois processos envolvem troca térmica (transmissão de calor), de um lado temos perda de calor do sistema, do outro temos reações endotérmicas que poderiam acontecer com uma velocidade maior se o calor do sistema não migrasse para as paredes da câmara, além da velocidade de reação das reações exotérmicas, a qual é reduzida pelo efeito de troca térmica para as paredes.